"A boca fala do que o coração está cheio."

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Me surpre[end]e


-Promete nunca me deixar?
-Prometo. Quero poder traçar meu horizonte pelos teus olhos, sempre.
Mas o sempre chegou ao fim.
-Você me vê olhando pra frente e pensa que sou uma pobre mulher abandonada, que não tem olhos-mapa-de-horizonte. Acha que estou sozinha agora? Engano seu. Ele cumpriu a sua promessa.
Ela põe as mãos na barriga, fecha os olhos e sente, com a mesma calma daqueles residentes do Olimpo, que guarda dentro de si a prova vital do amor que já se foi.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Junto à janela



Escuro. Sozinha. Frio. Amargura. Preto. Fim.
Todas aquelas palavras soavam na sua sonza cabeça, agora.
Estava num quarto escuro chorando triste e enraivecida por dar-se ao luxo de sentir saudade.
Cada lágrima tinha aquele gosto ruim que ela já conhecia há muito tempo.
Queria esvair-se como as lágrimas.
Queria ser líquido amargo.
Queria não ter gosto de tristeza.
Queria apenas poder ser algo, porque agora ela simplesmente sentiu que não existia.
Abraçou-se e viu que estava gelada. Um frio lhe percorreu o corpo e só então lembrou que naquele quarto havia uma janela aberta. Correu desesperadamente para tentar conter aquele vento que atrapalhava seus pensamentos ridículos.
Ao chegar à janela, olhou o mundo que sua vista podia alcançar. As visões eram tão interessantes que ela resolveu puxar uma cadeira e sentar-se diante daquele espetáculo.

Uma família jantava no apartamento em frente. Pai e mãe ainda eram jovens e a filha tinha uma beleza angelical. Tudo estava harmoniosamente bem até que o celular do homem tocou e ele abandonou mulher e filha sozinhas para ir à um compromisso de trabalho. A menina chorava por não poder jantar com o pai. A mãe chorava por sentir que estava perdendo o marido.

A observadora imaginava a cena dessa forma. Ela não tinha certeza, mas alguma coisa dizia que estava certa.
Abandonou a ex-família-feliz e deteve-se em olhar um velho homem sozinho no banco da praça a poucos metros de distância.

Ele parecia cantarolar, mas ela não conseguia entender qual era a canção. O homem tirou do bolso da jaqueta pedaços velhos de pão e pôs-se a dar aos cães que lhe seguiam. Quando o pão acabou os cachorros ainda continuaram ali e o velho olhou para o céu e soltou uma frase que soava clara nos ouvidos da observadora: "estou aqui, como sempre prometi estar,Helena. Por que você está tão longe de mim,agora?" E uma lágrima rolou por aquele rosto cansado.

Uma chuva fina e insistente começou a cair e a observadora olhou para o lugar de onde vinha a chuva e chegou a pensar que aquelas gotas eram a soma de todas as lágrimas que caiam nesse instante. Precisava fechar a janela, porque a chuva invadia seu território e estava quase apagando a única coisa quente ali: uma vela. Deu uma última olhada nos personagens das suas observações.

A moça vestia uma roupa quente na filha e corria pra secar o marido que acabara de chegar.
O velho colocou um chapéu na cabeça, entrou na padaria para tomar um café quente e esperar a chuva passar.

Agora sim ela podia fechar a janela.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Constatação necessária



Hoje é só mais um dia dentre os que já vivi ao longo destes quase-dezoito-anos.
Tenho pensado tanto em você!
Tenho pensado tanto em nós dois!
Tenho tentado não pensar nela.
Já não suporto mais ficar lamentando essa realidade.
Como naquele filme, gostaria de apagar a parte da minha memória que está reservada à você.
Chega de degustar a dor! Agora vou colocar um prisma em cima da mesa e encontrar um pote de ouro no final do meu arco-íris.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Si-lên-cio


-Então é isso, não é?
-Então o quê?
-Acabou.
-O quê acabou?
-Não é possível, você está se fazendo de boba até num momento sério como esse.
-Eu não estou me fazendo de boba. Fiz uma pergunta simples, porque estou confusa.
-Pois muito bem, se você quer saber o que acabou, eu digo: o nosso relacionamento, o meu amor por você.
-Acabou? Por que?
-A resposta você mesma já deu. Acabou porque você é confusa demais e o meu amor precisa de segurança e não de imprecisão.
-Nunca pensei que o amor precisasse de racionalidade pra se sustentar. Pelo menos o meu amor transcende a razão.

Silêncio.

-Ainda te amo.
-Eu sei.
-É só isso que tem a dizer?
-Não.
-Então diz, porque estou aqui, como sempre estive, ouvindo.
-Sinto muito, mas o que tenho a dizer não lhe agrada.
-Ainda assim quero ouvir.
-Você sabe que sempre te amei muito. Larguei toda minha vida pra arriscar uma vida nova com você. Me joguei sem medo nos teus braços e de tudo que o mundo podia oferecer me bastava seu sorriso. O nosso amor me consumiu, mas agora ele sumiu. Quero voltar pra minha antiga vida, onde eu dormia enlaçado pela segurança e embalado pela estabilidade. Pra mim chega de confusão. Chega de você.
-Acabou?
-Sim.

Silêncio

-Você não vai dizer nada?
-Não.
-Como não? Eu digo que o nosso relacionamento acabou e a única coisa que você vai fazer é ficar calada?
-É.
-Não acredito. Por que,hein?
-Porque tudo que eu disser será inútil. A única coisa que eu desejo é o seu amor, mas isso eu já não tenho mais, então prefiro o silêncio pra me acostumar com o vazio da minha alma.

Mais uma vez o silêncio tomou conta do ambiente, mas não como outrora. O silêncio agora era consequência do beijo dos amantes.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

[A]gosto


O dia está cinza e eu tomei uma decisão: quero te ver.
Mesmo que eu não possa sentir a sua língua cálida, flamejar meus poros gustativos;
Mesmo que eu não possa ter as suas mãos descobrindo meu rosto;
Mesmo que eu não tenha mais o direito de reter o seu perfume na minha memória;
Ainda assim eu quero te ver, porque agora é agosto.
Espere...
Não é agosto?
Não é a gosto?
Então não quero te ver.
Suma daqui com estes teus beijos tóxicos, com estas mãos ásperas e com este cheiro fétido de quem já se foi há muito tempo.
Suma da minha vida e me deixe sozinha com minhas lembranças-restos-(i)mortais.