Escuro. Sozinha. Frio. Amargura. Preto. Fim.
Todas aquelas palavras soavam na sua sonza cabeça, agora.
Estava num quarto escuro chorando triste e enraivecida por dar-se ao luxo de sentir saudade.
Cada lágrima tinha aquele gosto ruim que ela já conhecia há muito tempo.
Queria esvair-se como as lágrimas.
Queria ser líquido amargo.
Queria não ter gosto de tristeza.
Queria apenas poder ser algo, porque agora ela simplesmente sentiu que não existia.
Abraçou-se e viu que estava gelada. Um frio lhe percorreu o corpo e só então lembrou que naquele quarto havia uma janela aberta. Correu desesperadamente para tentar conter aquele vento que atrapalhava seus pensamentos ridículos.
Ao chegar à janela, olhou o mundo que sua vista podia alcançar. As visões eram tão interessantes que ela resolveu puxar uma cadeira e sentar-se diante daquele espetáculo.
Uma família jantava no apartamento em frente. Pai e mãe ainda eram jovens e a filha tinha uma beleza angelical. Tudo estava harmoniosamente bem até que o celular do homem tocou e ele abandonou mulher e filha sozinhas para ir à um compromisso de trabalho. A menina chorava por não poder jantar com o pai. A mãe chorava por sentir que estava perdendo o marido.
A observadora imaginava a cena dessa forma. Ela não tinha certeza, mas alguma coisa dizia que estava certa.
Abandonou a ex-família-feliz e deteve-se em olhar um velho homem sozinho no banco da praça a poucos metros de distância.
Ele parecia cantarolar, mas ela não conseguia entender qual era a canção. O homem tirou do bolso da jaqueta pedaços velhos de pão e pôs-se a dar aos cães que lhe seguiam. Quando o pão acabou os cachorros ainda continuaram ali e o velho olhou para o céu e soltou uma frase que soava clara nos ouvidos da observadora: "estou aqui, como sempre prometi estar,Helena. Por que você está tão longe de mim,agora?" E uma lágrima rolou por aquele rosto cansado.
Uma chuva fina e insistente começou a cair e a observadora olhou para o lugar de onde vinha a chuva e chegou a pensar que aquelas gotas eram a soma de todas as lágrimas que caiam nesse instante. Precisava fechar a janela, porque a chuva invadia seu território e estava quase apagando a única coisa quente ali: uma vela. Deu uma última olhada nos personagens das suas observações.
A moça vestia uma roupa quente na filha e corria pra secar o marido que acabara de chegar.
O velho colocou um chapéu na cabeça, entrou na padaria para tomar um café quente e esperar a chuva passar.
Agora sim ela podia fechar a janela.