"A boca fala do que o coração está cheio."

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Um conto d'um fato (ou um contado, ou seria contato?!)

Ele marcou um encontro com ela.
Cinema (beijos e afagos)-18:00h (meio termo entre a falecida luz e a nascida escuridão).
O relógio marcava 17h 30min e ele já estava lá, com buquê de rosas vermelhas e flores do campo.
Sempre ouvira dizer que as rosas vermelhas eram símbolo de amor, e deveras, era com um buquê igualzinho a este (um pouco ressecado e desleixado) que o seu pai pedia desculpas à esposa e em seguida ia direto para o quarto.
Pôs o perfume do irmão mais velho, gel (mas não muito, caso ela quisesse acariciar-lhe os cabelos), e a sua melhor roupa.
Enquanto pensava no trajeto realizado, olhava mecanicamente o relógio: "17h 55min- ela já deve estar a caminho"
Ele gostava tanto dela! Faria qualquer coisa para que ela deixasse de ser apenas o sonho de todas as noites. Por vezes acordava atordoado, após sonhar que afundava-se no verde dos olhos dela e na boca aveludada. Foi a vontade louca de transformar o sonho em realidade, que o impulsionou a fazer o convite.

18h 05min
Bem, pelo visto ela não era pontual, mas isso lá importava?
Tantas vezes ele já esperou anciosamente pelas aulas de laboratório, onde ela sentava bem a sua frente. Esta era só mais uma espera.
Ele andava de um lado para o outro e olhava a chuva que caia no teto solar do shopping.

Enquanto isso, uma senhora na banca de flores o observava e quase podia sentir a sua angústia. Diversas vezes ela acompanhou rapazotes em situações como esta. Acompanhava a cena como quem assiste o último caítulo de uma novela. Gostava de saber qual destino teriam as rosas que ela mesma colheu: lata de lixo ou diário de garotinhas apaixondas?

18h 3omin
"Deve ser a chuva. Ela está atrasada, mas virá, com certeza."
Repetia paulatinamente para si mesmo.
A sessão das 18:00h já havia começada há tempos, mas eles poderiam pegar a próxima sessão.
De qualquer forma, era mehor esperar.
Outros casais entravam felizes para assistir o filme. Quando seria a sua vez? Quando seria feliz?

Tic-tac.

19h 07min
Custava- lhe encarar isso, mas de fato, ela não veio.
Queria chorar, mas lembrou que "homem não chora".
Como olharia pra ela novamente?
Os seus sonhos transformariam-se em pesadelos.
Jogou as flores na lata de lixo e de repente reparou que a mulher na floricultura o observava. O olhar daquela mulher parecia dizer: "sinto muito". Ele não sabia se aquele pesar dela era pelas flores no lixo ou pela sua espera naufragada.
Foi embora dali.

Na rua, deixou-se molhar pela chuva para que as pessoas confundissem as lágrimas no seu rosto com gotas do céu.
Ao chegar em casa a mãe, angustiada pelo atraso do marido, levou um susto ao ver o filho encharcado. Rapidamente encheu a banheira com água quente para que o filho pudesse se aquecer.

Agora já sem perfume, sem gel, sem buquê de flores, ele sentou no sofá para assistir um pouco de televisão, enquanto a sua mãe mudava nervosamente os canais, tentando fingir paciência.

De repente, o pai entrou em casa, a mãe deu um pulo (contido) do sofá e fingiu-se mais brava do quê preocupada com ele. Nas mãos o pai trazia um buquê de flores e a mãe já não disfarçava a preocupação e o terno amor pelo marido.
Ah...flores!
Espere...aquelas flores murchas estavam acompanhadas de um cartão. Um cartão que dizia: "Eu te amo! E este é o primeiro que vos digo dos milhares que tanto guardei desde sempre"
Este foi o cartão que ele havia escrito para a amada que não o amava, aquele era o buquê que ele havia comprado e horas depois arremessado no lixo. Agora ele entendeu o motivo pelo qual as flores do seu pai sempre eram meio acabadas. Agora ele entendeu que o seu sofrimento era uma vingança dos tantos desamores que serviram para alimentar o amor dos seus pais. Ele era fruto do amor vil.