"A boca fala do que o coração está cheio."

domingo, 24 de agosto de 2008

Memorialismo



22 de janeiro de 1991.



50 anos se passaram desde aquela festa de formatura. Sinto-me tão estranho. Todos os valores têm sido mudados na minha vida desde então. Daqui a dez anos estaremos no século XXI, e lembrando-me dos velhos, tenho uma impressão que tudo foi como um dia ensolarado de verão com os amigos.

Pois, bem. Cá estou, numa casinha que comprei recente, em Copacabana, num fim de tarde e me deparei com umas fotos antigas, que estavam escondidas num caixinha que mal dava pra respirar de tão empoeirada que se achava. Lá não só encontravam-se fotos, mas também convites para festas adolescentes; “vista-se de branco”, dizia um deles, com citações de uma esposa de alguém, talvez de um escritor famoso dos anos 20. Quando se é jovem, encontra inspiração em qualquer um que tem partido. Lembrei-me, da porta que se abria e Nina dizia sempre sorridente; “Venha cá, esqueça de tudo, nunca nos sentimos entediados mesmo, não é meu bem?!”.

E ela estava certa, nunca nos sentíamos entediados, tínhamos tempo demais pra decidirmos a nosso favor; vestíamos nosso melhor, brigávamos, mas, os pensamentos sempre consertavam as situações. Nunca sentíamos frio, ou nos preocupávamos que o tempo chegaria ao fim.


As recordações agora vêm à tona.


Quando fui embora da cidade, parti da estação com uma mochila e um pouco de trepidação.

Alguém disse: “se eu não fosse cuidadoso, não sobraria nada para mim, e nada com o que me importar nos anos 70”. Mas fingi não ter escutado nada, e me acomodei. Enquanto seguia a viajem, sonhei que meus sapatos estavam no ar e eu tinha me descolado da poltrona, parecia que o mundo estava começando a ficar sem gravidade; eu tinha disparado através de uma porta que se fechava. Entretanto, mesmo assim, eu achava que nunca me sentiria entediado. A partir daquele dia, fiquei sempre esperando, que ao olhar para trás, poderia sempre contar com um amigo.

Agora eu sento junto a rostos diferentes, muitas vezes, em quartos alugados e lugares estrangeiros. Todas as pessoas que eu beijava, algumas estão aqui e algumas já se foram.

Nos anos 90, nunca pensei que eu chegaria a ser a criatura que eu pretendia, mas, eu pensava que apesar dos sonhos, você estaria sentado em algum lugar comigo.

domingo, 10 de agosto de 2008

O Rastro de Suor (Parte I)



Saiu da cadeia sem um puto.
A rua passava por ele como se o cortasse em pedaços pequenos que pudessem passar nos espaços das valas de esgoto.
Não tinha pra onde ir e pôs-se a seguir o fio de sujeira que escorria entre as frestas da calçada. Foi parar num buraco imenso, frente a uma construção.
Tudo ali parecia pó e abandono.
Olhou-se num meio espelho rachado que estava pendurado num prego por uma tira de fio dental. A barba estava feita, o cabelo bem penteado e aquela imagem até parecia com os homens comuns que ele encontrou no meio do caminho.
O que era mesmo ser homem?
Fez um apanhado de lembranças juvenis: homem não chora; homem tem que impor respeito; homem tem carne fraca e pode ter quantas mulheres quiser.
Aquilo é ser homem?
Lembrou-se das vezes que chorou escondido quando ninguém ia te visitar. Lembrou que sempre escutava, com mais medo que atenção, as ordens do Tonhão nos horários do banho de sol. Lembrou-se ainda dos momentos que a carne pedia prazer e ele, farejando como um bicho, buscava o companheiro de cela.
-Eu sou homem!
Berrou tanto e tão descontroladamente, que conseguiu fragmentar ainda mas o que restava do espelho.
E o homem ficou espalhado em fragmentos pelo chão.