"A boca fala do que o coração está cheio."

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Junto à janela



Escuro. Sozinha. Frio. Amargura. Preto. Fim.
Todas aquelas palavras soavam na sua sonza cabeça, agora.
Estava num quarto escuro chorando triste e enraivecida por dar-se ao luxo de sentir saudade.
Cada lágrima tinha aquele gosto ruim que ela já conhecia há muito tempo.
Queria esvair-se como as lágrimas.
Queria ser líquido amargo.
Queria não ter gosto de tristeza.
Queria apenas poder ser algo, porque agora ela simplesmente sentiu que não existia.
Abraçou-se e viu que estava gelada. Um frio lhe percorreu o corpo e só então lembrou que naquele quarto havia uma janela aberta. Correu desesperadamente para tentar conter aquele vento que atrapalhava seus pensamentos ridículos.
Ao chegar à janela, olhou o mundo que sua vista podia alcançar. As visões eram tão interessantes que ela resolveu puxar uma cadeira e sentar-se diante daquele espetáculo.

Uma família jantava no apartamento em frente. Pai e mãe ainda eram jovens e a filha tinha uma beleza angelical. Tudo estava harmoniosamente bem até que o celular do homem tocou e ele abandonou mulher e filha sozinhas para ir à um compromisso de trabalho. A menina chorava por não poder jantar com o pai. A mãe chorava por sentir que estava perdendo o marido.

A observadora imaginava a cena dessa forma. Ela não tinha certeza, mas alguma coisa dizia que estava certa.
Abandonou a ex-família-feliz e deteve-se em olhar um velho homem sozinho no banco da praça a poucos metros de distância.

Ele parecia cantarolar, mas ela não conseguia entender qual era a canção. O homem tirou do bolso da jaqueta pedaços velhos de pão e pôs-se a dar aos cães que lhe seguiam. Quando o pão acabou os cachorros ainda continuaram ali e o velho olhou para o céu e soltou uma frase que soava clara nos ouvidos da observadora: "estou aqui, como sempre prometi estar,Helena. Por que você está tão longe de mim,agora?" E uma lágrima rolou por aquele rosto cansado.

Uma chuva fina e insistente começou a cair e a observadora olhou para o lugar de onde vinha a chuva e chegou a pensar que aquelas gotas eram a soma de todas as lágrimas que caiam nesse instante. Precisava fechar a janela, porque a chuva invadia seu território e estava quase apagando a única coisa quente ali: uma vela. Deu uma última olhada nos personagens das suas observações.

A moça vestia uma roupa quente na filha e corria pra secar o marido que acabara de chegar.
O velho colocou um chapéu na cabeça, entrou na padaria para tomar um café quente e esperar a chuva passar.

Agora sim ela podia fechar a janela.

9 comentários:

Juliana Almirante disse...

Digamos que entre pretos e coloridos, salvaram-se todos.

Janelas são mais libertadoras do que paredes...

Beijo

Willian disse...

Digamos que você é uma pessoa que, assim como eu, gosta mais do que sentir o vento, gostar de saboreá-lo em sua "forma", "cor", "cheiro". Senti-lo não é o bastante. Você sente a necessidade de vive-lo.

Se isso que eu disse faz sentido, ganhou um visitante oficial do seu blog.

Bjos

Willian disse...

ahhhhhhhhhh vc não tem só uma nota música (como diz no seu perfil)

Você tem duas: Mi e Lá

Willian disse...

Valeu pelos comentários....

fique a vontade...

Juliana Campos disse...

Talvez o fato de conseguirmos nos encaixar em histórias alheias e saber que a chuva que cai do céu não é somente 'feita' com nossas lágrimas, mas com de outras pessoas, que as vezes sofrem e se angustiam mais ou tanto quanto nós. Isso nos traz uma pontinha de 'alegria', por saber que não somos tão diferentes assim, não somos os últimos nostálgicos/melácolicos/sofredores/sonhadores...
è bom abrir a janela e poder ver e sentir o mundo como ele é, sem máscaras e não tão colorido assim.
mas de vez em podemos colori-lo de aquarela/giz de cera/lápis de cor enfrentando obtáculos e abrindo às vezes uma janela para não se perder em meio as cores fantasias!

Willian disse...

Se não fosse a chuva o que mais se poderia ver por aquela janela?!?!??!!?

Willian disse...

A primeira vez que você vai a algum lugar, a impressão que se tem é completamente diferente daquela de 1 ano depois.
É o sabor da novidade atuante.

O que uma janela pode mostrar?
Uma coisa nova e fascinante a todo instante.
Basta olharmos com olhos de criança.
"Meu sofrimento é fruto do que me ensinaram a ser" já dizia um poeta.


Continuemos...
Chuva? praia? caminhar? o que pode refrescar mais a alma do que esses três juntos (ou mesmo separados)

Bjos

Willian disse...

Não posso afirmar que não, pois todos temos alguma coisa em comum com outras pessoas. Mas não coloquei esse trecho por causa da personagem, e sim do autor.

Poderia ter colocado um trecho de um conto, de memórias póstumas, borgas. Por acaso foi D. Casmurro.

BJos

Willian disse...

Ahhhhhhhh valeu...
faz mo tempo que tô tentando encontrar um layout que gosto...
esse é simples...e mais fácil de ficar lendo do que o azul.

Não vai atualizar seu perfil com mais um nota musical????

Bjos